quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A Porn Food e o Futuro da Televis�o (espelho)

A Porn Food e o Futuro da Televis�oOct 5, '10 8:33 PM
para todos
Acompanho j� h� alguns anos, at� pela onipresen�a, v�rios programas de culin�ria na tev�. L� se v�o muitos anos desde que a cachorrada da Ana Maria Braga era o prato mais comentado do dia.

Na tev� aberta nem sei mais, impregnado que estou pela cable television, descobrindo estarrecido que muitas, muitas vezes, o melhor da programa��o est� justamente nos programas de gastronomia.

Dos seminais, prof�cuos e plurais Jamie Oliver ("o cara da comida nas escolas brit�nicas", tamb�m conhecido como "o cara das ervinhas no quintal") e Gordon Ramsay (o dono da "Cozinha do Inferno", consertador de pesadelos e falador de palavr�o) passamos a degustar (ou n�o! o que por si j� � uma convers�o) os aloprados Andrew Zimmern e Anthony Bourdain, estrelas maiores da atual mir�ade de shows de culin�ria e escatologia que serve � tela pequena.

O primeiro se fez conhecido no mundo todo pelo seu imperd�vel "Bizarre Foods" (no Brasil, "Comidas Ex�ticas", DTL), cole��o para l� de interessante sobre h�bitos, culturas... e alimentos. Americano, judeu e chef de cozinha, Mr. Zimmern n�o desdenha, sempre quer comprar, fazendo valer seus bord�es: "se tiver boa apar�ncia, coma" e "nunca desista no primeiro peda�o" - inclusos insetos de toda sorte, cr�nios (de porco, carneiro e bode), tar�ntulas, r�pteis, roedores, morcegos e ratos. � o fim do mundo, e � legal, especialmente pelo respeito que o apresentador devota a tudo que � comest�vel - Mr. Zimmern comunga com Mr. Bourdain a cren�a de que se algo � bom o suficiente para outro ser humano comer, pode se experimentar.

"Tony Bourdain No Reservations" � o nome do show de seu amigo e ex-vizinho em Nova Iorque, cuja genialidade no comando das panelas p�e Andrew no chinelo. Feliz ou infelizmente, Tony � dono de trajet�ria mais err�tica e inconstante, variando do jet set � sarjeta e �s drogas, o que lhe garante mais profundidade na fala, que inclui pol�tica, antropologia e cultura em doses verborreicas - garantindo, de quebra, um escopo de vis�o provilegiado ao programa.

Nas temporadas que passam no Brasil, sempre com grande atraso, Tony viaja o mundo a bordo de muito senso cr�tico e capacidade de observa��o. N�o viaja simplesmente em busca de comida, como o compatriota, mas de forte e raras emo��es. S� falta chorar de alegria e tes�o em frente a uma bela sopa vietnamita; lambuza-se de sangue fresco de foca na cozinha de uma fam�lia inu�te no Canad�; titubeia frente a um complexo per�neo de porco, com conte�do e tudo, assado na brasa em uma savana africana. Experimenta a comida das ruas como quem vai � igreja, ciente do milagre da multiplica��o das rotinas e insumos por este mundo que pode ser qualquer coisa, menos desinteressante.

E de quebra presta o mesmo servi�o que tantos de seus comparsas: o resgate de tradi��es possivelmente morredouras, rep�rter ocular de hist�rias que j� podem ter acabado quando o programa vai ao ar. Uma delas, recheada de for�a po�tica que ultrapassa as barreiras da arte de se fazer televis�o, � a do fazedor de noodles em algum lugar da China, montado em seu imenso rolo de madeira, o �ltimo de sua profiss�o.

Recentemente o DTL reprisou a vers�o de Bourdain para o "Para�so/Heaven", em epis�dio especial que passeia por alguns dos melhores momentos de sua trajet�ria, que atinge seu ponto alto enaltecendo a intimidade de nossas bocas com a comida feita � m�o, pela m�o de outras pessoas, simbiose que toma dimens�o verdadeiramente metaf�sica em seu discurso apaixonado (por comida) em uma esquina qualquer de NY.

Antes, por�m, ao declinar exageros e absurdos veiculados em programas exatamente como o dele, Tony cria curioso neologismo ao se referir aos excessos alimentares de nossa obesa televis�o, que chama de "porn food", em clara alus�o a nosso modos onanistas e voyeuristas diante da imagem (virtual, claro) de um prato de comida.

�, Tony, voc� tem raz�o. Somos todos uns selvagens, como pode atestar outra figurinha em ascens�o no meio, o impag�vel Adam Richman (Man Vs. Food, FoxLife), cujo est�mago acomoda facilmente os muitos quilogramas dos desafios quantitativos t�o comuns nos EUA, numa maratona que d� fome e n�useas a um s� tempo.

De minha parte, aguardo ansiosamente pelas del�cias da gastronomia virtual, a ser desenvolvida nas pr�ximas d�cadas pela uni�o de talentos de tecn�logos da computa��o ecaras como esses citados aqui, que partem da simples comidinha nossa de cada dia para alus�es complexas que ajudam a entender o que fomos, como chegamos at� aqui, o que continuaremos comendo nas d�cadas vindouras e o que nunca mais comeremos: lembran�as de del�cias caseiras soterradas pela generaliza��o da "junkie food" e pela escassez de �gua e alimentos que, fatalmente, vir�.

E que tantas horas em frente � tev� me poupem uns anos de terapia. Sa�de!

(Foto: Outback, Rio de Janeiro, 2010)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Porn Food OU O Futuro da Televis�o

Acompanho j� h� alguns anos, at� pela onipresen�a, v�rios programas de culin�ria na tev�. L� se v�o muitos anos desde que a cachorrada da Ana Maria Braga era o prato mais comentado do dia.

Na tev� aberta nem sei mais, impregnado que estou pela cable television, descobrindo estarrecido que muitas, muitas vezes, o melhor da programa��o est� nos programas de gastronomia.

Dos seminais, prof�cuos e plurais Jamie Oliver (o cara da comida nas escolas brit�nicas, tamb�m conhecido como o cara das ervinhas no quintal) e Gordon Ramsay (o dono da Cozinha do Inferno, resolvedor de pesadelos e falador de palavr�o) passamos a degustar (ou n�o! o que por si j� � uma convers�o) os aloprados Andrew Zimern e Anthony Bourdain, estrelas maiores da atual mir�ade de shows de culin�ria e escatologia que serve � tev�.

O primeiro se fez conhecido no mundo todo pelo seu imperd�vel "Bizarre Foods" (no Brasil, "Comidas Ex�ticas", DTL), cole��o para l� de interessante sobre h�bitos, culturas... e alimentos. Americano, judeu e chef de cozinha, Mr. Zimmern n�o desdenha, sempre quer comprar, fazendo valer seus bord�es: "se tiver boa apar�ncia, coma" e "nunca desista no primeiro peda�o" - inclusos insetos de toda sorte, cr�nios de porco, carneiro e bode, tar�ntulas, r�pteis, roedores, morcegos e ratos. � o fim do mundo, e � legal, especialmente pelo respeito que o apresentador devota a tudo que � comest�vel: comunga com Mr. Bourdain a cren�a de que se algo � bom o suficiente para outro ser humano comer, pode se experimentar.

"Tony Bourdain No Reservations" � o nome do show de seu amigo e ex-vizinho em Nova Iorque, cuja genialidade no comando das panelas p�e Andrew no chinelo. Feliz ou infelizmente, Tony � dono de trajet�ria mais err�tica e inconstante, variando do jet set � sarjeta e �s drogas, o que lhe garante mais profundidade na fala, que inclui pol�tica, antropologia e cultura em doses verborreicas - garantindo, de quebra, um escopo de vis�o provilegiado ao programa.

Nas temporadas que passam no Brasil, sempre com grande atraso, Tony viaja o mundo a bordo de muito senso cr�tico e capacidade de observa��o. N�o viaja simplesmente em busca de comida, como o compatriota, mas de forte e raras emo��es. S� falta chorar de alegria e tes�o em frente a uma bela sopa vietnamita; lambuza-se de sangue fresco de foca na cozinha de uma fam�lia inu�te no Canad�; titubeia frente a um complexo per�neo de porco, com conte�do e tudo, assado na brasa em uma savana africana. Experimenta a comida das ruas como quem vai � igreja, ciente do milagre da multiplica��o das rotinas e insumos por este mundo que pode ser qualquer coisa, menos desinteressante.

E de quebra presta o mesmo servi�o que tantos de seus comparsas: o resgate de tradi��es possivelmente morredouras, rep�rter ocular de hist�rias que j� podem ter acabado quando o programa vai ao ar. Uma delas, recheada de for�a po�tica que ultrapassa as barreiras da arte de se fazer televis�o, � a do fazedor de noodles em algum lugar da China, montado em seu imenso rolo de madeira, o �ltimo de sua profiss�o.

Recentemente o DTL reprisou a vers�o de Bourdain para o "Para�so", em epis�dio especial que passeia por alguns dos melhores momentos de sua trajet�ria, que come�a enaltecendo a intimidade de nossas bocas com a comida feita � m�o, pela m�o de outras pessoas, simbiose que toma dimens�o verdadeiramente metaf�sica em seu discurso apaixonado (por comida) em uma esquina qualquer de NY.

Antes, por�m, ao declinar exageros e absurdos veiculados em programas exatamente como o dele, Tony cria curioso neologismo ao se referir aos excessos alimentares de nossa obesa televis�o, que chama de "porn food", em clara alus�o a nosso modos onanistas e voyeuristas diante da imagem (virtual, claro) de um prato de comida.

�, Tony, voc� tem raz�o. Somos todos uns selvagens, como pode atestar outra figurinha em ascens�o no meio, o impag�vel Adam Richman (Man Vs. Food, FoxLife), cujo est�mago acomoda facilmente os muitos quilogramas dos desafios quantitativos t�o comuns nos EUA, numa maratona que d� fome e n�useas a um s� tempo.

De minha parte, aguardo ansiosamente pelas del�cias da gastronomia virtual, a ser desenvolvida nas pr�ximas d�cadas pela uni�o de talentos de tecn�logos e caras como esses citados aqui, que partem da simples comidinha nossa de cada dia para alus�es complexas que ajudam a entender o que fomos, como chegamos at� aqui, o que continuaremos comendo nas d�cadas vindouras e o que nunca mais comeremos: lembran�as de del�cias caseiras soterradas pela generaliza��o da "junkie food" e pela escassez de �gua e alimentos que, fatalmente, vir�.

E que tantas horas em frente � tev� me poupem uns anos de terapia. Sa�de!

(Foto: Outback, Rio de Janeiro, 2010)

domingo, 18 de abril de 2010

sexta-feira, 19 de março de 2010

N�s n�o amamos Brigitte Bradot

Cresci ouvindo falar daquela mulher lind�ssima, lour�ssima, talentos�ssima, t�o famosa quanto os Beatles ou Marilyn Monroe, que encantara o mundo por mais que uma gera��o e se retirara no auge, tornando-se uma reclusa esquisitona que propaga(va) aos quatro ventos preferir os animais aos seres humanos.

"Como � que pode, largar tudo para viver uma vida assim, quase mon�stica, entregando-se a uma loucura dessas, gatinhos e c�ezinhos, cavalos e beb�s-foca... Muito louca, isso sim...", diziam meus pais e todos aqueles que antes a veneravam.

Depois conheci B�zios, no estado do Rio, e toda a mitologia reunida ao redor e sobre sua visita inesquec�vel ao Brasil em 1965, da Rua das Pedras �s praias (n�o mais, h� tempos) quase virgens.

Mas foi s� bem mais tarde, nas madrugadas do extinto Telecine Classic, que pude apreciar mais a fundo sua beleza loura, sua intensidade e seu talento. Nem parecia que ela permanecia viva, enclausurada na velha casa que escondeu e escancarou a um s� tempo, ao mundo e a quem interessasse, sua lenta degenera��o em decrepitude. (Re) Descobri BB viva, ao assistir um punhado de filmes e descobrir que sentia por ela o mesmo tes�o de f� que me une indelevelmente a umas poucas outras estrelas como Liz Taylor e Audrey Hepburn - que envelheceram de forma t�o dessemelhante.

No que chovo no molhado, uma vez mais: estrelas n�o morrem, ainda que tentem faz�-lo em vida, com suas opini�es estridentes e idiossincrasias pouco compreendidas, e assim renascem a cada gesto, os de estreia tanto quanto os longos feneceres, como se suas luzes astrais teimassem em brilhar vindas l� de cima, para descer lenta e calmamente � Terra ao longo dos s�culos.

Por isso reencontr�-la agora, meio de surpresa, atrav�s do document�rio de Benjamin Roussel "Brigitte criou Bardot", de 2007, foi t�o impactante. V�-la defender seus pontos de vista com clareza, intelig�ncia e verve, vestida do corpo sovado pela velhice que quase a torna mais uma vez bonita, em seu (j� n�o t�o) novo papel de anci�, chega a comover. Sua luta a colocou � frente de seu tempo, antecipando tend�ncias da moda como o abandono (parcial) do uso de peles naturais pelos avatares da moda, pressagiando temas marcantes do fimde s�culo como o ambientalismo, instigando desde h� quase quarenta anos a discuss�o t�o moderna a respeito da crueldade de abatedouros e que tais.

"O ser humano � um horror, o que n�s fazemos..."; "sinto-me mais � vontade entre os animais que entre os seres humanos"; "fiz o que fiz para tentar sobreviver em um mundo que me � hostil" s�o algumas das frases (feitas) pela atriz ao longo de uma hora de entrevistas e memorabilia, pela primeira vez -pelo menos para mim - colocadas em perspectiva,dentro de um contexto que se aproxima do que podemos imaginar seja a vis�o dela, com respeito e sem bl�-bl�-bl�.

La Bardot vive, aninhada no desejo - e mais uma vez digo "quase" - inconfess�vel que sua imagem adolescente provoca em n�s nos velhos filmes de sua �poca, e - repito, pelo menos para mim - na compreens�o recent�ssima da import�ncia de sua trajet�ria.

O mundo n�o a merece, e na cabe�a ecoa Gaisbourg, com a vers�o (original) que contrap�e t�o apropriadamente ao "Je t'aime" (te amo), o "moi non plus" (nem eu).

sábado, 20 de junho de 2009

A Rua da Revolução e o ocaso dos sonhos (Revolutionary Road, Richard Yates, 1961)Apr 18, '09 8:28 AM
for everyone
Foi Apenas Um Sonho” é o título dado no Brasil ao “Revolutionary Road” (RR) de Sam Mendes, filme homônimo ao romance original de Richard Yates (1961), que chegou no mês passado às livrarias brasileiras em primorosa tradução. E se o péssimo costume latinoamericano de reinterpretar o título de filmes estrangeiros no mais das vezes põe por terra sutilezas de toda sorte, desta feita até que o sentido “em português” não faz feio perante o título original.


Mas não, não vi o filme. Apesar de ser fã de primeira hora da já mitológica Kate Winslet (atriz talhada para grandes papéis, como esta April Wheeler), e de ter aplaudido de joelhos a escolha de DiCaprio para o papel do esposo Frank, ainda não tive a oportunidade de ver o filme. E acho que vou demorar a querer ver, ainda zonzo do embate intelectual a que Mr. Yates, ghostwriter de Bob Kennedy, nos presenteia em RR. Quem viu (o filme) diz que fica aquém de “American Beauty”, e a léguas – não anos-luz - do caleidoscópio de ideias apresentado no romance. Eu disse léguas. Com atores como Leo e Kate, vale uma olhada. Mas se puder leia o livro. Leia o livro primeiro. Assim como há filmes in natura que, se precedidos da leitura do livro que os inspirou, pareceriam menores do que realmente são, há livros tão magistrais que qualquer interferência na memória pode bastar para macular uma experiência em tudo sobrenatural. Então falemos do livro, por ora, o que já é assunto que basta.


E este acerta em cheio, de cara, com um título que só poderia ser mais cru e direto se portasse número da residência, telefone ou os dizeres “The Wheelers”. A tal Rua da Revolução define bem espaço e lugar, onde o desejo de significância faz o casal – culto e relativamente inteligente e letrado, ainda que ainda lhes falte estofo moral ou verdadeira fineza - residente na única casa sui generis de toda a região, lute para permanecer intelectualmente vivo e pessoalmente motivado perante a degradação social que os cerca, pintando um painel perfeitamente apropriado para uma crônica dos subúrbios das grandes cidade americanas nos dourados anos cinquenta.


O sucesso de Yates, escritor de recursos técnicos aparentemente ilimitados, deve-se em grande parte ao sucesso da obra, que difundiu-se lenta e consistentemente ao longo das últimas cinco décadas. Lido hoje, com o cérebro embebido por anos de exposição a clichês dos anos 50 - década eternamente a ser revista nos clássicos desenhos animados, na música e na moda - “Revolutionary Road” sintetiza tal época como talvez nenhuma outra obra de arte no período - e tanto quanto o rock'n'roll e a minissaia, as tiaras e os topetes e a gomalina (e o cheiro de estofamento de couro, perfume e saliva no banco de trás dos carrões rabos-de-peixe.,,) E o faz sem precisar apelar a qualquer lugar comum, quase sem fazer referẽncia à revolução nos costumes, sem elevar seus olhos acima de horizontes previsíveis à vidinha suburbana do casal de protagonistas, cuja juventude teima em (começar a) ficar para trás.


Revolutionary Road” é prosa elaborada, endereçada a adultos experientes. Incisiva e certeira, por vezes sua voz é cruel: revela suas personagens com rapidez e violência, como quem descasca, arranca ou rebenta. Ao romance nada falta, visto que as tramas, emaranhadas, todas se fecham; nada sobra, visto que é justamente na secura e na economia que reside sua força.


À medida que avança para o final, Yates vai progressivamente asfixiando o leitor, fazendo-o partilhar da tragédia anunciada dos Wheeler e sofrer impotente ao vê-los transformar sonhos em mágoa e desesperança. Torce-se por eles porque é assim que aprendemos a reagir às inteligências do roteiro, é claro, e porque o papo é bom, obviamente, mas em primeiro lugar porque são humanos, muitíssimo humanos, e espelham a cada minuto outra face de nós.


Herdeiro de características fitzgeraldianas, Yates consegue (ele próprio ainda na casa dos trinta anos quando escreveu este livro) unir ritmo e verve, sensibilidade e musicalidade aliados a uma perfeita construção de roteiro e personagens – e brilha com o mesmo desvelo comedido, perfeccionista e espontâneo dos contos tardios de Scott. Mestre no uso da técnica de contrapor pontos de vista, o narrador brinca com a dupla premissa de “estar” ou ”não estar lá”, aproveitando-se da possibilidade de observar cada vaso e seu conteúdo, aproximando-se do ideal utópico do criador-deus, onipresente e onisciente (porém discreto e anedônico).


Aliar concisão e leveza ao explorar uma história dramática surpreendem o leitor, que até espera, mas nunca chega a ver, o narrador escorregar nas tintas. Impressionado pela ficção de altíssima qualidade - pinceladas rápidas e certeiras que jamais resvalam para a vulgaridade – o leitor logo vê que Richard Yates se distancia de “contemporâneos” como Nelson Archer e toda a geração beat, Salinger ou Cheever (com quem é frequentemente comparado) por um apuro formal elaborado que é só seu.


Mesmo bêbados, há que se manter uma certa compostura”, disse um dia o Francis Scott – ou coisa que o valha: lição cumprida à risca na magnífica cena do desabafo de Frank à esposa e a um casal de amigos, transformado em palavrório vazio e ininteligível no imediato instante em que é proferido, lembrando-nos que a verdade nem sempre é agradável de se escutar.


Enfim, um livro para ler, guardar e reler. Que todo casal dever ler, todo verdadeiro amante da literatura guardar no coração, e qualquer metido a literato reler.


ReviewReviewReviewReviewReview"Revolutionary Road" / "Foi Apenas Um Sonho", USA, 2008, by Sam Mendes, based on a book by Richard YatesJun 7, '09 2:28 AM
for everyone
Category:Movies
Genre: Drama
Brilhantemente roteirizado por Justin Haythe, que soube pinçar momentos essenciais de um texto profundo (e prolífico), sujeito a vários níveis de interpretação na dependência do grau de ironia com que é lida (vista) a obra.

Cônscio do viés inescapável que é analisar qualquer versão de uma obra-prima transmutada em outra essência ou suporte: ou já lemos o livros (e iremos amar o filme de qualquer forma, ou odiá-lo desde a primeira vez em que pensou na ideia) ou não os lemos (e a tela grande pode nos encher com uma verdade que sempre será ainda maior quando voltarmos os olhos para o papel em busca das origens de um texto)

Guardadas as devidas proporções, este filme é tão bom quanto o livro, mas isto não basta, porque por mais geniais que Leo e Kate sejam, não serão para todos os verdadeiros Frank & April Wheeler, personagens que conhecemos tão bem que parece-nos justo poder julgar.

Tudo bem. Por isso mesmo são papéis que terão outra chance. Já nós, dificilmente veremos genuína entrega e paixão como a do casal de protagonistas, tanto na tela quanto atrás dela, onde sabemos que a amizade de Leo & Kate foi a mola propulsora da adaptação.

Ou seja, não acredite nos jornais, e vá ver.

Só senti falta da verve desbocada de Frank na reunião na casa dos amigos, os... bem, no livro ele tira um sarro enorme com a mania deles próprios, americanos, chamar-se a si mesmos de "Os": Os Simpsons, Os Flintstones, Os Jetsons...

Leia mais em

http://renatovwbach.multiply.com/journal/item/276/276

O Píncipe Maldito, Mary Del Priore, Editora Objetiva 2007

No Brasil da segunda metade do século XIX, um jovem é educado para ser rei.


Herdeiro de uma estirpe de príncipes europeus de fama e importância capital, Dom Pedro Augusto de Saxe e Coburgo perdeu a mãe – Dona Leopoldina, irmã da Princesa Isabel – muito cedo, sendo trazido ao Brasil para ser educado como brasileiro, sob a guarda dos tios (o Conde D'Eu e sua citada esposa) e dos avós (D. Pedro II e Dona Teresa Cristina), na Corte do Rio de Janeiro.


Alguns anos depois, no entanto, nasce o tão aguardado primogênito de Isabel, chamado o “Mão Seca” por conta de um traumatismo do parto.


Pedro Augusto não seria mais rei.


Pena que faltou contar isto a ele, Príncipe Pedro Augusto. Abandonado pelos tios, que tinham agora novo brinquedo, este apegou-se mais e mais ao avô, que supostamente estimulava suas pretensões, ou pelo menos não as destruía, talvez por compaixão pelas fragilidades do neto, talvez por suas qualidades.


Em tournée pela Europa, então, titulado engenheiro, mineralogista diletante, fluente em línguas, DPA encantou a todos nas cortes que visitou, vendo sua fama saltar das páginas da sociedade. nos jornais, para as páginas políticas. Enxergavam nele um digno sucessor de Dom Pedro II, ele próprio bastante conhecido nos meios intelectuais do Velho Continente.


Ideia que ressoava também no Brasil, onde o fervor religioso de Isabel, aliado à rabugice interesseira do marido francês, tornava o casal uma péssima opção sucessória para a Monarquia brasileira. Que DPA não fosse o herdeiro direto ao Trono pouco importava, dado o apoio que recebia de conservadores e maçons, republicanos e militares.


Reza a lenda que a tia aboliria a escravatura de chofre com o intuito maior de demonstrar ao sobrinho, então novamente no exterior, o quanto ela também poderia ser amada pelo povo. Só não contava com a retirada do apoio dos fazendeiros à Monarquia, nem com a quebra da safra – que apodrecia no solo, esperando quem a colhesse, no colapso das instituições financeiras nacionais, no esgarçar do tecido social que desembocava na própria derrocada da lei e da ordem pública.


E este é o ambiente que encontram avô e neto quando retornam da Europa – de onde já nem se esperava mais que o monarca voltasse vivo – e são recebidos com festa e aclamação popular, fato que esticou um pouco a sobrevida do regime.


Manejado pelo amigo e confidente, o barão de Estrela, DPA embarca de vez em teorias conspiratórias e golpistas, nas quais reserva para si os papéis de Imperador e Primeiro-Presidente da República do Brasil, líder único possível, capaz de realizar uma transição democrática a la Luís Napoleão de França.


Ledo engano. A Revolução colhe a todos de surpresa: um general cansado de guerra (Deodoro), outro traidor por natureza (Floriano), insufladores inconsequentes (Bocayuva e Silva Jardim), idiotas pusilânimes (Ouro Preto), um pŕincipe desnecessário que se cria essencial (Pedro Augusto). Sem contar a princesa incapaz de trocar fanatismo religioso por pragmatismo de governo, o um imperador incapaz de decidir entre a casca grossa da filha inadequada ou a incipiente – mas já visível aos mais próximos – doença mental do neto. Preferiu entregar a Coroa, depois da noite (15/11) de impropérios trocados entre a filha, o neto e o genro, a primeira após o golpe. Preferiu o silêncio da dor surda à possibilidade de um combate que ele – DP II – não sabia se quereria lutar.


Salta aos olhos, da obra de Mary Del Priore (“O Príncipe Maldito”), a qualidade da pesquisa histórica, o olhar - despretencioso e caloroso a um só tempo – voltado para esta personagem injustamente esquecida (melhor não, apagada) dos anais da História do Brasil, o “timing” da literatura, que torna a obra de leitura saborosíssima, e a possibilidade de aventar um outro Brasil, repensado a partir de estudos históricos mais criteriosos que politicamente engajados.


Salta aos olhos, por exemplo, dos fatos ali expostos, a perenidade desta verdadeira mania nacional de criticar sem saber fazer, de fofocar sobre o que não conhece de perto, de confundir política com interesse pessoal, de administrar a coisa pública com desfaçatez. De maneira mais sutil, a oba de Del Priore faz pelo Segundo Reinado o que o filme de Carla Camuratti (“Carlota Joaquina”, Brasil, 1995) fez pelo Primeiro. O DP II de Del Priore, a parte suas contribuições inalienáveis ao desenvolvimento da província, é permissivo e alienado, como se o Brasil pudesse ser (tão mal) administrado quanto suas fazendas e terras.


Vivendo como um dândi enquanto sua conta bancária o permitiu, dilacerado pelas perdas sucessivas da avó, do avô e do Trono (não necessariamente nesta ordem), passado para trás pelo Conde D'Eu (que impediria a Pedro e ao irmão terem acesso a seus dotes imperiais por longo tempo), DPA não seria páreo para Charcot, Freud ou Breuer – luminares que tentaram ajudá-lo, sem sucesso, no combate à psicose maníaco-depressiva que o afetou de maneira progressiva e irrecuperável.


Quando o irmão mais novo assistiu à mais um golpe de estado brasileiro de dentro de um navio atracado em Salvador, de onde foi mandado célere de volta a Europa, Pedro Augusto comentou que o havia prevenido sobre “aquela gente”: “Vão usá-lo e depois dispor de você como um saco de batatas, inútil”.


Morreu louco, após passar boa parte dos 66 anos de vida (viveu mais que o avô!) de sanatório em sanatório, buscando reeducar-se para ser uma pessoa comum, para sempre conhecido como aquele que vai (ou iria) ser Rei.