quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Rio de Janeiro,

minha alma chora, e a de todos n�s brasileiros, ao imaginar o medo e a ang�stia - incomensur�veis - a corroer o cora��o dos cariocas nesses dias.

Ao corroer o cora��o de todos n�s cariocas - porque sim, se somos brasileiros, somos tamb�m, para sempre, cariocas. S� entendemos o Brasil quando come�amos, ou terminamos, no Rio, sua mais perfeita tradu��o e s�ntese.

Por isso hoje choro, de corpo e alma. Vejo ve�culos incendiados em lugares por onde vivi, onde passava todo dia, ou toda semana, quando morava l�: a duas quadras de onde morei em Laranjeiras, no buraco entre os t�neis dos irm�os Rebou�as, na Cidade (que carioca n�o fala Centro), pior ainda na Penha, onde trabalhei tantos anos, no Get�lio Vargas e no M�rio Kr�eff.

(N�o preciso imaginar o desespero dos colegas m�dicos: vez por outra eu ou minha esposa fic�vamos retidos at� o dia seguinte nos hospitais).

Imediatamente pensei em quem estaria de plant�o por l�, amigos meus. Pensei nos meninos do morro que cuidavam dos carros, na ladeira do Getuli�o, na m�e que se desesperou ao ver o filho baleado, mas est�vel, aguardando cirurgia. Lembrei do tamb�m amigo Dom Rafael, ali na Igreja da Penha; seria que estar� l�, em sua resid�ncia, retido tamb�m o bom Bispo? E meus filhos, na Zona Sul?

Que a proximidade do alto o ilumine, e a tantos outros, para que possam pedir aos C�us por todos n�s, os que l� estamos e os que aqui de foram, assistem, apavorados, ao "oriente m�dio" brasileiro.

"Imagens que eu guardo na mem�ria", diria a poeta.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A Porn Food e o Futuro da Televis�o (espelho)

A Porn Food e o Futuro da Televis�oOct 5, '10 8:33 PM
para todos
Acompanho j� h� alguns anos, at� pela onipresen�a, v�rios programas de culin�ria na tev�. L� se v�o muitos anos desde que a cachorrada da Ana Maria Braga era o prato mais comentado do dia.

Na tev� aberta nem sei mais, impregnado que estou pela cable television, descobrindo estarrecido que muitas, muitas vezes, o melhor da programa��o est� justamente nos programas de gastronomia.

Dos seminais, prof�cuos e plurais Jamie Oliver ("o cara da comida nas escolas brit�nicas", tamb�m conhecido como "o cara das ervinhas no quintal") e Gordon Ramsay (o dono da "Cozinha do Inferno", consertador de pesadelos e falador de palavr�o) passamos a degustar (ou n�o! o que por si j� � uma convers�o) os aloprados Andrew Zimmern e Anthony Bourdain, estrelas maiores da atual mir�ade de shows de culin�ria e escatologia que serve � tela pequena.

O primeiro se fez conhecido no mundo todo pelo seu imperd�vel "Bizarre Foods" (no Brasil, "Comidas Ex�ticas", DTL), cole��o para l� de interessante sobre h�bitos, culturas... e alimentos. Americano, judeu e chef de cozinha, Mr. Zimmern n�o desdenha, sempre quer comprar, fazendo valer seus bord�es: "se tiver boa apar�ncia, coma" e "nunca desista no primeiro peda�o" - inclusos insetos de toda sorte, cr�nios (de porco, carneiro e bode), tar�ntulas, r�pteis, roedores, morcegos e ratos. � o fim do mundo, e � legal, especialmente pelo respeito que o apresentador devota a tudo que � comest�vel - Mr. Zimmern comunga com Mr. Bourdain a cren�a de que se algo � bom o suficiente para outro ser humano comer, pode se experimentar.

"Tony Bourdain No Reservations" � o nome do show de seu amigo e ex-vizinho em Nova Iorque, cuja genialidade no comando das panelas p�e Andrew no chinelo. Feliz ou infelizmente, Tony � dono de trajet�ria mais err�tica e inconstante, variando do jet set � sarjeta e �s drogas, o que lhe garante mais profundidade na fala, que inclui pol�tica, antropologia e cultura em doses verborreicas - garantindo, de quebra, um escopo de vis�o provilegiado ao programa.

Nas temporadas que passam no Brasil, sempre com grande atraso, Tony viaja o mundo a bordo de muito senso cr�tico e capacidade de observa��o. N�o viaja simplesmente em busca de comida, como o compatriota, mas de forte e raras emo��es. S� falta chorar de alegria e tes�o em frente a uma bela sopa vietnamita; lambuza-se de sangue fresco de foca na cozinha de uma fam�lia inu�te no Canad�; titubeia frente a um complexo per�neo de porco, com conte�do e tudo, assado na brasa em uma savana africana. Experimenta a comida das ruas como quem vai � igreja, ciente do milagre da multiplica��o das rotinas e insumos por este mundo que pode ser qualquer coisa, menos desinteressante.

E de quebra presta o mesmo servi�o que tantos de seus comparsas: o resgate de tradi��es possivelmente morredouras, rep�rter ocular de hist�rias que j� podem ter acabado quando o programa vai ao ar. Uma delas, recheada de for�a po�tica que ultrapassa as barreiras da arte de se fazer televis�o, � a do fazedor de noodles em algum lugar da China, montado em seu imenso rolo de madeira, o �ltimo de sua profiss�o.

Recentemente o DTL reprisou a vers�o de Bourdain para o "Para�so/Heaven", em epis�dio especial que passeia por alguns dos melhores momentos de sua trajet�ria, que atinge seu ponto alto enaltecendo a intimidade de nossas bocas com a comida feita � m�o, pela m�o de outras pessoas, simbiose que toma dimens�o verdadeiramente metaf�sica em seu discurso apaixonado (por comida) em uma esquina qualquer de NY.

Antes, por�m, ao declinar exageros e absurdos veiculados em programas exatamente como o dele, Tony cria curioso neologismo ao se referir aos excessos alimentares de nossa obesa televis�o, que chama de "porn food", em clara alus�o a nosso modos onanistas e voyeuristas diante da imagem (virtual, claro) de um prato de comida.

�, Tony, voc� tem raz�o. Somos todos uns selvagens, como pode atestar outra figurinha em ascens�o no meio, o impag�vel Adam Richman (Man Vs. Food, FoxLife), cujo est�mago acomoda facilmente os muitos quilogramas dos desafios quantitativos t�o comuns nos EUA, numa maratona que d� fome e n�useas a um s� tempo.

De minha parte, aguardo ansiosamente pelas del�cias da gastronomia virtual, a ser desenvolvida nas pr�ximas d�cadas pela uni�o de talentos de tecn�logos da computa��o ecaras como esses citados aqui, que partem da simples comidinha nossa de cada dia para alus�es complexas que ajudam a entender o que fomos, como chegamos at� aqui, o que continuaremos comendo nas d�cadas vindouras e o que nunca mais comeremos: lembran�as de del�cias caseiras soterradas pela generaliza��o da "junkie food" e pela escassez de �gua e alimentos que, fatalmente, vir�.

E que tantas horas em frente � tev� me poupem uns anos de terapia. Sa�de!

(Foto: Outback, Rio de Janeiro, 2010)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Porn Food OU O Futuro da Televis�o

Acompanho j� h� alguns anos, at� pela onipresen�a, v�rios programas de culin�ria na tev�. L� se v�o muitos anos desde que a cachorrada da Ana Maria Braga era o prato mais comentado do dia.

Na tev� aberta nem sei mais, impregnado que estou pela cable television, descobrindo estarrecido que muitas, muitas vezes, o melhor da programa��o est� nos programas de gastronomia.

Dos seminais, prof�cuos e plurais Jamie Oliver (o cara da comida nas escolas brit�nicas, tamb�m conhecido como o cara das ervinhas no quintal) e Gordon Ramsay (o dono da Cozinha do Inferno, resolvedor de pesadelos e falador de palavr�o) passamos a degustar (ou n�o! o que por si j� � uma convers�o) os aloprados Andrew Zimern e Anthony Bourdain, estrelas maiores da atual mir�ade de shows de culin�ria e escatologia que serve � tev�.

O primeiro se fez conhecido no mundo todo pelo seu imperd�vel "Bizarre Foods" (no Brasil, "Comidas Ex�ticas", DTL), cole��o para l� de interessante sobre h�bitos, culturas... e alimentos. Americano, judeu e chef de cozinha, Mr. Zimmern n�o desdenha, sempre quer comprar, fazendo valer seus bord�es: "se tiver boa apar�ncia, coma" e "nunca desista no primeiro peda�o" - inclusos insetos de toda sorte, cr�nios de porco, carneiro e bode, tar�ntulas, r�pteis, roedores, morcegos e ratos. � o fim do mundo, e � legal, especialmente pelo respeito que o apresentador devota a tudo que � comest�vel: comunga com Mr. Bourdain a cren�a de que se algo � bom o suficiente para outro ser humano comer, pode se experimentar.

"Tony Bourdain No Reservations" � o nome do show de seu amigo e ex-vizinho em Nova Iorque, cuja genialidade no comando das panelas p�e Andrew no chinelo. Feliz ou infelizmente, Tony � dono de trajet�ria mais err�tica e inconstante, variando do jet set � sarjeta e �s drogas, o que lhe garante mais profundidade na fala, que inclui pol�tica, antropologia e cultura em doses verborreicas - garantindo, de quebra, um escopo de vis�o provilegiado ao programa.

Nas temporadas que passam no Brasil, sempre com grande atraso, Tony viaja o mundo a bordo de muito senso cr�tico e capacidade de observa��o. N�o viaja simplesmente em busca de comida, como o compatriota, mas de forte e raras emo��es. S� falta chorar de alegria e tes�o em frente a uma bela sopa vietnamita; lambuza-se de sangue fresco de foca na cozinha de uma fam�lia inu�te no Canad�; titubeia frente a um complexo per�neo de porco, com conte�do e tudo, assado na brasa em uma savana africana. Experimenta a comida das ruas como quem vai � igreja, ciente do milagre da multiplica��o das rotinas e insumos por este mundo que pode ser qualquer coisa, menos desinteressante.

E de quebra presta o mesmo servi�o que tantos de seus comparsas: o resgate de tradi��es possivelmente morredouras, rep�rter ocular de hist�rias que j� podem ter acabado quando o programa vai ao ar. Uma delas, recheada de for�a po�tica que ultrapassa as barreiras da arte de se fazer televis�o, � a do fazedor de noodles em algum lugar da China, montado em seu imenso rolo de madeira, o �ltimo de sua profiss�o.

Recentemente o DTL reprisou a vers�o de Bourdain para o "Para�so", em epis�dio especial que passeia por alguns dos melhores momentos de sua trajet�ria, que come�a enaltecendo a intimidade de nossas bocas com a comida feita � m�o, pela m�o de outras pessoas, simbiose que toma dimens�o verdadeiramente metaf�sica em seu discurso apaixonado (por comida) em uma esquina qualquer de NY.

Antes, por�m, ao declinar exageros e absurdos veiculados em programas exatamente como o dele, Tony cria curioso neologismo ao se referir aos excessos alimentares de nossa obesa televis�o, que chama de "porn food", em clara alus�o a nosso modos onanistas e voyeuristas diante da imagem (virtual, claro) de um prato de comida.

�, Tony, voc� tem raz�o. Somos todos uns selvagens, como pode atestar outra figurinha em ascens�o no meio, o impag�vel Adam Richman (Man Vs. Food, FoxLife), cujo est�mago acomoda facilmente os muitos quilogramas dos desafios quantitativos t�o comuns nos EUA, numa maratona que d� fome e n�useas a um s� tempo.

De minha parte, aguardo ansiosamente pelas del�cias da gastronomia virtual, a ser desenvolvida nas pr�ximas d�cadas pela uni�o de talentos de tecn�logos e caras como esses citados aqui, que partem da simples comidinha nossa de cada dia para alus�es complexas que ajudam a entender o que fomos, como chegamos at� aqui, o que continuaremos comendo nas d�cadas vindouras e o que nunca mais comeremos: lembran�as de del�cias caseiras soterradas pela generaliza��o da "junkie food" e pela escassez de �gua e alimentos que, fatalmente, vir�.

E que tantas horas em frente � tev� me poupem uns anos de terapia. Sa�de!

(Foto: Outback, Rio de Janeiro, 2010)

domingo, 18 de abril de 2010

sexta-feira, 19 de março de 2010

N�s n�o amamos Brigitte Bradot

Cresci ouvindo falar daquela mulher lind�ssima, lour�ssima, talentos�ssima, t�o famosa quanto os Beatles ou Marilyn Monroe, que encantara o mundo por mais que uma gera��o e se retirara no auge, tornando-se uma reclusa esquisitona que propaga(va) aos quatro ventos preferir os animais aos seres humanos.

"Como � que pode, largar tudo para viver uma vida assim, quase mon�stica, entregando-se a uma loucura dessas, gatinhos e c�ezinhos, cavalos e beb�s-foca... Muito louca, isso sim...", diziam meus pais e todos aqueles que antes a veneravam.

Depois conheci B�zios, no estado do Rio, e toda a mitologia reunida ao redor e sobre sua visita inesquec�vel ao Brasil em 1965, da Rua das Pedras �s praias (n�o mais, h� tempos) quase virgens.

Mas foi s� bem mais tarde, nas madrugadas do extinto Telecine Classic, que pude apreciar mais a fundo sua beleza loura, sua intensidade e seu talento. Nem parecia que ela permanecia viva, enclausurada na velha casa que escondeu e escancarou a um s� tempo, ao mundo e a quem interessasse, sua lenta degenera��o em decrepitude. (Re) Descobri BB viva, ao assistir um punhado de filmes e descobrir que sentia por ela o mesmo tes�o de f� que me une indelevelmente a umas poucas outras estrelas como Liz Taylor e Audrey Hepburn - que envelheceram de forma t�o dessemelhante.

No que chovo no molhado, uma vez mais: estrelas n�o morrem, ainda que tentem faz�-lo em vida, com suas opini�es estridentes e idiossincrasias pouco compreendidas, e assim renascem a cada gesto, os de estreia tanto quanto os longos feneceres, como se suas luzes astrais teimassem em brilhar vindas l� de cima, para descer lenta e calmamente � Terra ao longo dos s�culos.

Por isso reencontr�-la agora, meio de surpresa, atrav�s do document�rio de Benjamin Roussel "Brigitte criou Bardot", de 2007, foi t�o impactante. V�-la defender seus pontos de vista com clareza, intelig�ncia e verve, vestida do corpo sovado pela velhice que quase a torna mais uma vez bonita, em seu (j� n�o t�o) novo papel de anci�, chega a comover. Sua luta a colocou � frente de seu tempo, antecipando tend�ncias da moda como o abandono (parcial) do uso de peles naturais pelos avatares da moda, pressagiando temas marcantes do fimde s�culo como o ambientalismo, instigando desde h� quase quarenta anos a discuss�o t�o moderna a respeito da crueldade de abatedouros e que tais.

"O ser humano � um horror, o que n�s fazemos..."; "sinto-me mais � vontade entre os animais que entre os seres humanos"; "fiz o que fiz para tentar sobreviver em um mundo que me � hostil" s�o algumas das frases (feitas) pela atriz ao longo de uma hora de entrevistas e memorabilia, pela primeira vez -pelo menos para mim - colocadas em perspectiva,dentro de um contexto que se aproxima do que podemos imaginar seja a vis�o dela, com respeito e sem bl�-bl�-bl�.

La Bardot vive, aninhada no desejo - e mais uma vez digo "quase" - inconfess�vel que sua imagem adolescente provoca em n�s nos velhos filmes de sua �poca, e - repito, pelo menos para mim - na compreens�o recent�ssima da import�ncia de sua trajet�ria.

O mundo n�o a merece, e na cabe�a ecoa Gaisbourg, com a vers�o (original) que contrap�e t�o apropriadamente ao "Je t'aime" (te amo), o "moi non plus" (nem eu).

sábado, 20 de junho de 2009

A Rua da Revolução e o ocaso dos sonhos (Revolutionary Road, Richard Yates, 1961)Apr 18, '09 8:28 AM
for everyone
Foi Apenas Um Sonho” é o título dado no Brasil ao “Revolutionary Road” (RR) de Sam Mendes, filme homônimo ao romance original de Richard Yates (1961), que chegou no mês passado às livrarias brasileiras em primorosa tradução. E se o péssimo costume latinoamericano de reinterpretar o título de filmes estrangeiros no mais das vezes põe por terra sutilezas de toda sorte, desta feita até que o sentido “em português” não faz feio perante o título original.


Mas não, não vi o filme. Apesar de ser fã de primeira hora da já mitológica Kate Winslet (atriz talhada para grandes papéis, como esta April Wheeler), e de ter aplaudido de joelhos a escolha de DiCaprio para o papel do esposo Frank, ainda não tive a oportunidade de ver o filme. E acho que vou demorar a querer ver, ainda zonzo do embate intelectual a que Mr. Yates, ghostwriter de Bob Kennedy, nos presenteia em RR. Quem viu (o filme) diz que fica aquém de “American Beauty”, e a léguas – não anos-luz - do caleidoscópio de ideias apresentado no romance. Eu disse léguas. Com atores como Leo e Kate, vale uma olhada. Mas se puder leia o livro. Leia o livro primeiro. Assim como há filmes in natura que, se precedidos da leitura do livro que os inspirou, pareceriam menores do que realmente são, há livros tão magistrais que qualquer interferência na memória pode bastar para macular uma experiência em tudo sobrenatural. Então falemos do livro, por ora, o que já é assunto que basta.


E este acerta em cheio, de cara, com um título que só poderia ser mais cru e direto se portasse número da residência, telefone ou os dizeres “The Wheelers”. A tal Rua da Revolução define bem espaço e lugar, onde o desejo de significância faz o casal – culto e relativamente inteligente e letrado, ainda que ainda lhes falte estofo moral ou verdadeira fineza - residente na única casa sui generis de toda a região, lute para permanecer intelectualmente vivo e pessoalmente motivado perante a degradação social que os cerca, pintando um painel perfeitamente apropriado para uma crônica dos subúrbios das grandes cidade americanas nos dourados anos cinquenta.


O sucesso de Yates, escritor de recursos técnicos aparentemente ilimitados, deve-se em grande parte ao sucesso da obra, que difundiu-se lenta e consistentemente ao longo das últimas cinco décadas. Lido hoje, com o cérebro embebido por anos de exposição a clichês dos anos 50 - década eternamente a ser revista nos clássicos desenhos animados, na música e na moda - “Revolutionary Road” sintetiza tal época como talvez nenhuma outra obra de arte no período - e tanto quanto o rock'n'roll e a minissaia, as tiaras e os topetes e a gomalina (e o cheiro de estofamento de couro, perfume e saliva no banco de trás dos carrões rabos-de-peixe.,,) E o faz sem precisar apelar a qualquer lugar comum, quase sem fazer referẽncia à revolução nos costumes, sem elevar seus olhos acima de horizontes previsíveis à vidinha suburbana do casal de protagonistas, cuja juventude teima em (começar a) ficar para trás.


Revolutionary Road” é prosa elaborada, endereçada a adultos experientes. Incisiva e certeira, por vezes sua voz é cruel: revela suas personagens com rapidez e violência, como quem descasca, arranca ou rebenta. Ao romance nada falta, visto que as tramas, emaranhadas, todas se fecham; nada sobra, visto que é justamente na secura e na economia que reside sua força.


À medida que avança para o final, Yates vai progressivamente asfixiando o leitor, fazendo-o partilhar da tragédia anunciada dos Wheeler e sofrer impotente ao vê-los transformar sonhos em mágoa e desesperança. Torce-se por eles porque é assim que aprendemos a reagir às inteligências do roteiro, é claro, e porque o papo é bom, obviamente, mas em primeiro lugar porque são humanos, muitíssimo humanos, e espelham a cada minuto outra face de nós.


Herdeiro de características fitzgeraldianas, Yates consegue (ele próprio ainda na casa dos trinta anos quando escreveu este livro) unir ritmo e verve, sensibilidade e musicalidade aliados a uma perfeita construção de roteiro e personagens – e brilha com o mesmo desvelo comedido, perfeccionista e espontâneo dos contos tardios de Scott. Mestre no uso da técnica de contrapor pontos de vista, o narrador brinca com a dupla premissa de “estar” ou ”não estar lá”, aproveitando-se da possibilidade de observar cada vaso e seu conteúdo, aproximando-se do ideal utópico do criador-deus, onipresente e onisciente (porém discreto e anedônico).


Aliar concisão e leveza ao explorar uma história dramática surpreendem o leitor, que até espera, mas nunca chega a ver, o narrador escorregar nas tintas. Impressionado pela ficção de altíssima qualidade - pinceladas rápidas e certeiras que jamais resvalam para a vulgaridade – o leitor logo vê que Richard Yates se distancia de “contemporâneos” como Nelson Archer e toda a geração beat, Salinger ou Cheever (com quem é frequentemente comparado) por um apuro formal elaborado que é só seu.


Mesmo bêbados, há que se manter uma certa compostura”, disse um dia o Francis Scott – ou coisa que o valha: lição cumprida à risca na magnífica cena do desabafo de Frank à esposa e a um casal de amigos, transformado em palavrório vazio e ininteligível no imediato instante em que é proferido, lembrando-nos que a verdade nem sempre é agradável de se escutar.


Enfim, um livro para ler, guardar e reler. Que todo casal dever ler, todo verdadeiro amante da literatura guardar no coração, e qualquer metido a literato reler.