sábado, 20 de junho de 2009

A Rua da Revolução e o ocaso dos sonhos (Revolutionary Road, Richard Yates, 1961)Apr 18, '09 8:28 AM
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Foi Apenas Um Sonho” é o título dado no Brasil ao “Revolutionary Road” (RR) de Sam Mendes, filme homônimo ao romance original de Richard Yates (1961), que chegou no mês passado às livrarias brasileiras em primorosa tradução. E se o péssimo costume latinoamericano de reinterpretar o título de filmes estrangeiros no mais das vezes põe por terra sutilezas de toda sorte, desta feita até que o sentido “em português” não faz feio perante o título original.


Mas não, não vi o filme. Apesar de ser fã de primeira hora da já mitológica Kate Winslet (atriz talhada para grandes papéis, como esta April Wheeler), e de ter aplaudido de joelhos a escolha de DiCaprio para o papel do esposo Frank, ainda não tive a oportunidade de ver o filme. E acho que vou demorar a querer ver, ainda zonzo do embate intelectual a que Mr. Yates, ghostwriter de Bob Kennedy, nos presenteia em RR. Quem viu (o filme) diz que fica aquém de “American Beauty”, e a léguas – não anos-luz - do caleidoscópio de ideias apresentado no romance. Eu disse léguas. Com atores como Leo e Kate, vale uma olhada. Mas se puder leia o livro. Leia o livro primeiro. Assim como há filmes in natura que, se precedidos da leitura do livro que os inspirou, pareceriam menores do que realmente são, há livros tão magistrais que qualquer interferência na memória pode bastar para macular uma experiência em tudo sobrenatural. Então falemos do livro, por ora, o que já é assunto que basta.


E este acerta em cheio, de cara, com um título que só poderia ser mais cru e direto se portasse número da residência, telefone ou os dizeres “The Wheelers”. A tal Rua da Revolução define bem espaço e lugar, onde o desejo de significância faz o casal – culto e relativamente inteligente e letrado, ainda que ainda lhes falte estofo moral ou verdadeira fineza - residente na única casa sui generis de toda a região, lute para permanecer intelectualmente vivo e pessoalmente motivado perante a degradação social que os cerca, pintando um painel perfeitamente apropriado para uma crônica dos subúrbios das grandes cidade americanas nos dourados anos cinquenta.


O sucesso de Yates, escritor de recursos técnicos aparentemente ilimitados, deve-se em grande parte ao sucesso da obra, que difundiu-se lenta e consistentemente ao longo das últimas cinco décadas. Lido hoje, com o cérebro embebido por anos de exposição a clichês dos anos 50 - década eternamente a ser revista nos clássicos desenhos animados, na música e na moda - “Revolutionary Road” sintetiza tal época como talvez nenhuma outra obra de arte no período - e tanto quanto o rock'n'roll e a minissaia, as tiaras e os topetes e a gomalina (e o cheiro de estofamento de couro, perfume e saliva no banco de trás dos carrões rabos-de-peixe.,,) E o faz sem precisar apelar a qualquer lugar comum, quase sem fazer referẽncia à revolução nos costumes, sem elevar seus olhos acima de horizontes previsíveis à vidinha suburbana do casal de protagonistas, cuja juventude teima em (começar a) ficar para trás.


Revolutionary Road” é prosa elaborada, endereçada a adultos experientes. Incisiva e certeira, por vezes sua voz é cruel: revela suas personagens com rapidez e violência, como quem descasca, arranca ou rebenta. Ao romance nada falta, visto que as tramas, emaranhadas, todas se fecham; nada sobra, visto que é justamente na secura e na economia que reside sua força.


À medida que avança para o final, Yates vai progressivamente asfixiando o leitor, fazendo-o partilhar da tragédia anunciada dos Wheeler e sofrer impotente ao vê-los transformar sonhos em mágoa e desesperança. Torce-se por eles porque é assim que aprendemos a reagir às inteligências do roteiro, é claro, e porque o papo é bom, obviamente, mas em primeiro lugar porque são humanos, muitíssimo humanos, e espelham a cada minuto outra face de nós.


Herdeiro de características fitzgeraldianas, Yates consegue (ele próprio ainda na casa dos trinta anos quando escreveu este livro) unir ritmo e verve, sensibilidade e musicalidade aliados a uma perfeita construção de roteiro e personagens – e brilha com o mesmo desvelo comedido, perfeccionista e espontâneo dos contos tardios de Scott. Mestre no uso da técnica de contrapor pontos de vista, o narrador brinca com a dupla premissa de “estar” ou ”não estar lá”, aproveitando-se da possibilidade de observar cada vaso e seu conteúdo, aproximando-se do ideal utópico do criador-deus, onipresente e onisciente (porém discreto e anedônico).


Aliar concisão e leveza ao explorar uma história dramática surpreendem o leitor, que até espera, mas nunca chega a ver, o narrador escorregar nas tintas. Impressionado pela ficção de altíssima qualidade - pinceladas rápidas e certeiras que jamais resvalam para a vulgaridade – o leitor logo vê que Richard Yates se distancia de “contemporâneos” como Nelson Archer e toda a geração beat, Salinger ou Cheever (com quem é frequentemente comparado) por um apuro formal elaborado que é só seu.


Mesmo bêbados, há que se manter uma certa compostura”, disse um dia o Francis Scott – ou coisa que o valha: lição cumprida à risca na magnífica cena do desabafo de Frank à esposa e a um casal de amigos, transformado em palavrório vazio e ininteligível no imediato instante em que é proferido, lembrando-nos que a verdade nem sempre é agradável de se escutar.


Enfim, um livro para ler, guardar e reler. Que todo casal dever ler, todo verdadeiro amante da literatura guardar no coração, e qualquer metido a literato reler.


ReviewReviewReviewReviewReview"Revolutionary Road" / "Foi Apenas Um Sonho", USA, 2008, by Sam Mendes, based on a book by Richard YatesJun 7, '09 2:28 AM
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Category:Movies
Genre: Drama
Brilhantemente roteirizado por Justin Haythe, que soube pinçar momentos essenciais de um texto profundo (e prolífico), sujeito a vários níveis de interpretação na dependência do grau de ironia com que é lida (vista) a obra.

Cônscio do viés inescapável que é analisar qualquer versão de uma obra-prima transmutada em outra essência ou suporte: ou já lemos o livros (e iremos amar o filme de qualquer forma, ou odiá-lo desde a primeira vez em que pensou na ideia) ou não os lemos (e a tela grande pode nos encher com uma verdade que sempre será ainda maior quando voltarmos os olhos para o papel em busca das origens de um texto)

Guardadas as devidas proporções, este filme é tão bom quanto o livro, mas isto não basta, porque por mais geniais que Leo e Kate sejam, não serão para todos os verdadeiros Frank & April Wheeler, personagens que conhecemos tão bem que parece-nos justo poder julgar.

Tudo bem. Por isso mesmo são papéis que terão outra chance. Já nós, dificilmente veremos genuína entrega e paixão como a do casal de protagonistas, tanto na tela quanto atrás dela, onde sabemos que a amizade de Leo & Kate foi a mola propulsora da adaptação.

Ou seja, não acredite nos jornais, e vá ver.

Só senti falta da verve desbocada de Frank na reunião na casa dos amigos, os... bem, no livro ele tira um sarro enorme com a mania deles próprios, americanos, chamar-se a si mesmos de "Os": Os Simpsons, Os Flintstones, Os Jetsons...

Leia mais em

http://renatovwbach.multiply.com/journal/item/276/276

O Píncipe Maldito, Mary Del Priore, Editora Objetiva 2007

No Brasil da segunda metade do século XIX, um jovem é educado para ser rei.


Herdeiro de uma estirpe de príncipes europeus de fama e importância capital, Dom Pedro Augusto de Saxe e Coburgo perdeu a mãe – Dona Leopoldina, irmã da Princesa Isabel – muito cedo, sendo trazido ao Brasil para ser educado como brasileiro, sob a guarda dos tios (o Conde D'Eu e sua citada esposa) e dos avós (D. Pedro II e Dona Teresa Cristina), na Corte do Rio de Janeiro.


Alguns anos depois, no entanto, nasce o tão aguardado primogênito de Isabel, chamado o “Mão Seca” por conta de um traumatismo do parto.


Pedro Augusto não seria mais rei.


Pena que faltou contar isto a ele, Príncipe Pedro Augusto. Abandonado pelos tios, que tinham agora novo brinquedo, este apegou-se mais e mais ao avô, que supostamente estimulava suas pretensões, ou pelo menos não as destruía, talvez por compaixão pelas fragilidades do neto, talvez por suas qualidades.


Em tournée pela Europa, então, titulado engenheiro, mineralogista diletante, fluente em línguas, DPA encantou a todos nas cortes que visitou, vendo sua fama saltar das páginas da sociedade. nos jornais, para as páginas políticas. Enxergavam nele um digno sucessor de Dom Pedro II, ele próprio bastante conhecido nos meios intelectuais do Velho Continente.


Ideia que ressoava também no Brasil, onde o fervor religioso de Isabel, aliado à rabugice interesseira do marido francês, tornava o casal uma péssima opção sucessória para a Monarquia brasileira. Que DPA não fosse o herdeiro direto ao Trono pouco importava, dado o apoio que recebia de conservadores e maçons, republicanos e militares.


Reza a lenda que a tia aboliria a escravatura de chofre com o intuito maior de demonstrar ao sobrinho, então novamente no exterior, o quanto ela também poderia ser amada pelo povo. Só não contava com a retirada do apoio dos fazendeiros à Monarquia, nem com a quebra da safra – que apodrecia no solo, esperando quem a colhesse, no colapso das instituições financeiras nacionais, no esgarçar do tecido social que desembocava na própria derrocada da lei e da ordem pública.


E este é o ambiente que encontram avô e neto quando retornam da Europa – de onde já nem se esperava mais que o monarca voltasse vivo – e são recebidos com festa e aclamação popular, fato que esticou um pouco a sobrevida do regime.


Manejado pelo amigo e confidente, o barão de Estrela, DPA embarca de vez em teorias conspiratórias e golpistas, nas quais reserva para si os papéis de Imperador e Primeiro-Presidente da República do Brasil, líder único possível, capaz de realizar uma transição democrática a la Luís Napoleão de França.


Ledo engano. A Revolução colhe a todos de surpresa: um general cansado de guerra (Deodoro), outro traidor por natureza (Floriano), insufladores inconsequentes (Bocayuva e Silva Jardim), idiotas pusilânimes (Ouro Preto), um pŕincipe desnecessário que se cria essencial (Pedro Augusto). Sem contar a princesa incapaz de trocar fanatismo religioso por pragmatismo de governo, o um imperador incapaz de decidir entre a casca grossa da filha inadequada ou a incipiente – mas já visível aos mais próximos – doença mental do neto. Preferiu entregar a Coroa, depois da noite (15/11) de impropérios trocados entre a filha, o neto e o genro, a primeira após o golpe. Preferiu o silêncio da dor surda à possibilidade de um combate que ele – DP II – não sabia se quereria lutar.


Salta aos olhos, da obra de Mary Del Priore (“O Príncipe Maldito”), a qualidade da pesquisa histórica, o olhar - despretencioso e caloroso a um só tempo – voltado para esta personagem injustamente esquecida (melhor não, apagada) dos anais da História do Brasil, o “timing” da literatura, que torna a obra de leitura saborosíssima, e a possibilidade de aventar um outro Brasil, repensado a partir de estudos históricos mais criteriosos que politicamente engajados.


Salta aos olhos, por exemplo, dos fatos ali expostos, a perenidade desta verdadeira mania nacional de criticar sem saber fazer, de fofocar sobre o que não conhece de perto, de confundir política com interesse pessoal, de administrar a coisa pública com desfaçatez. De maneira mais sutil, a oba de Del Priore faz pelo Segundo Reinado o que o filme de Carla Camuratti (“Carlota Joaquina”, Brasil, 1995) fez pelo Primeiro. O DP II de Del Priore, a parte suas contribuições inalienáveis ao desenvolvimento da província, é permissivo e alienado, como se o Brasil pudesse ser (tão mal) administrado quanto suas fazendas e terras.


Vivendo como um dândi enquanto sua conta bancária o permitiu, dilacerado pelas perdas sucessivas da avó, do avô e do Trono (não necessariamente nesta ordem), passado para trás pelo Conde D'Eu (que impediria a Pedro e ao irmão terem acesso a seus dotes imperiais por longo tempo), DPA não seria páreo para Charcot, Freud ou Breuer – luminares que tentaram ajudá-lo, sem sucesso, no combate à psicose maníaco-depressiva que o afetou de maneira progressiva e irrecuperável.


Quando o irmão mais novo assistiu à mais um golpe de estado brasileiro de dentro de um navio atracado em Salvador, de onde foi mandado célere de volta a Europa, Pedro Augusto comentou que o havia prevenido sobre “aquela gente”: “Vão usá-lo e depois dispor de você como um saco de batatas, inútil”.


Morreu louco, após passar boa parte dos 66 anos de vida (viveu mais que o avô!) de sanatório em sanatório, buscando reeducar-se para ser uma pessoa comum, para sempre conhecido como aquele que vai (ou iria) ser Rei.